contos

Da rua que não era Matacavalos

Arrisquei, um tanto hesitante, a passagem por aquela rua. Nossos sapatos ainda pendurados nos fios. Nenhuma criança na rua. Os tempos são outros. Chutei uma pedrinha da calçada, bem em frente ao sobrado branco, que parecia muito maior quando a gente corria por todos os lados pra se esconder, você lembra?
Paro. Chamo seu nome. Alto. Muito mais alto do que eu era capaz naqueles anos.
O abraço apertado depois de tanto tempo. Seus olhos ainda são os mesmos, você diz que os meus não, mas aposto que meus sonhos ainda são os mais bonitos. Falamos por quando tempo? Vinho doce e barato. Sentados na mesma calçada. Repisando lembranças e juramentos. “Aos quinze anos tudo é infinito”. Nem tudo, você lembrou. Nem tudo.
Crescemos não é? A poeira dos anos chuvisca em nossos olhos. Escorre. Outro vinho.
Só queria que soubesse que é precioso estar num abraço que vem de ontem. Meus ontens são eternos e você sabe. Esse maldito aparato, a memória, é coisa que se fincou em nós e não sai.
No fim das contas eu não tenho um motivo pra ter vindo, depois de tanto tempo, com esses olhos que não são aqueles, despida daquilo que um dia chamamos de amor. Só queria que soubesse que é precioso estar com você. E que tá tudo bem, já passou. Já passou.
E nós vamos passando também, tão ligeira a vida, demora aqui, perto de tudo o que fomos e da novidade que somos agora.
Deveríamos arriscar outro vinho?
Me esperam.
Até, menino.
Até, Capitu.

Esse texto foi escrito a partir de um exercício, realizado numa oficina de escrita, o qual propôs a criação de um texto que parte de um fato biográfico e alcança o campo da ficção.

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